Relembro o dia em que a ideia deste livro nasceu. Era o dia de 88º aniversário do Avô, faz hoje exactamente seis anos. Já era noite quando passamos pela casa dele para lhe dar o presente de aniversário. Ele já estava deitado na cama, a ler a Bíblia como habitualmente o fazia, iluminado pela pequena luz do candeeiro que ao seu lado desafiava a escuridão do quarto. Deitamo-nos também debaixo da luz, um de cada lado do Avô, suficientemente próximos para o sentir. Entregamos o presente e o Avô sorriu, depois rasgou o embrulho com calma, e voltou a sorrir ao ver o livro e a dedicatória que nele estava. Era um livro em branco e vinha com um desafio:

“O nosso desejo é que ele possa servir como depósito das tuas histórias e da tua sabedoria, e tudo que Deus usou para construir a tua vida.”

O Avô expressou um agradecimento emocionado, depois, com um ar mais sério, disse que não o podia fazer. Voltou a sorriu e acrescentou: “mas tu podes”.

E foi tudo quanto bastou para nascer este projecto.

Há precisamente um ano e um dia, sentado no aeroporto de Frankfurt, esbocei o prefácio do livro. Do outro lado da enorme fachada de vidro à minha frente estendia-se uma monótona paisagem de cinzento, com esfalfo e cimento a perder de vista, onde um qualquer espaço parecia a repetição de outro qualquer no mesmo horizonte. Lá do alto tudo era inerte e feio. Embora funcional, a paisagem era estéril.

Pelo menos assim pensei perante a tristeza de tal cenário… até que os meus olhos aterraram no solo alcatroado vários metros abaixo, onde uma pequena flor se destacava do desalento ao seu redor.

Aquela imagem, um fragmento de vida a irromper através do concreto e crescer em direcção à luz, pouco mais que um vestígio de cor no universo monocromático do nada, fez-me a perceber aquilo que tinha acabado de escrever momentos antes sobre a singularidade do Avô Mateus e da sua vida. O Avô destacou-se, tal como aquela pequena planta no meio do deserto de pedra.

Achei o momento digno de registo, mas sem máquina fotográfica para o fazer, tentei o meu melhor com o caderno de notas.